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sábado, 26 de maio de 2012

Deveríamos mesmo comemorar o Dia do Orgulho Nerd?

Se você checou suas redes sociais hoje, deve ter visto que 25 de maio é o Dia da Toalha ou o aniversário da estréia de Star Wars. E, não coincidentemente, é o “Dia do orgulho nerd”, como foi instituído na Espanha por um manifesto há alguns anos. O que isso quer dizer exatamente? Faz sentido o “conceito” de nerd hoje em dia? Se odiamos estereótipos, por que muitos de nós nos apegamos – com orgulho – a este?
Não vejo muito sentido. Para a maior parte das pessoas, nerd é uma maneira pejorativa de se referir a outra. Alguém  virá com a história de que na verdade “nerd é um cara que se aprofunda em alguma coisa” ou alguém mais inteligente que entende piadinhas de física, estudou mais e “vai ser seu chefe amanhã”. Esta é uma outra camada de sofisticação do conceito de nerd, que tem essas características “boas”. Mas os “não-nerds” vêem nerds como algo intrinsicamente ruim. Eu entendo o espírito do “Dia do Orgulho”, que é resgatar a beleza nérdica. Mas o meu problema é com a palavra.
A palavra, que não tem origem clara mas começou a ser usada no sentido atual na segunda metade do século passado nos EUA, é razoavelmente bem definida em inglês. No Oxford, a primeira definição de nerd é “uma pessoa que não tem habilidades sociais ou é estudioso a ponto de ser chato”. Para o Merriam-Webster, nerd é uma pessoa “sem muito estilo, não-atraente, ou socialmente inepta; especialmente: alguém muito fortemente devoto a objetivos acadêmicos ou intelectuais”. “Geek” é quase sempre um sinônimo nos artigos consultados.
Quem tem orgulho de não ter habilidades sociais? Aparentemente alguns nerds. O “manifesto” que deu origem ao dia do orgulho tem alguns direitos e deveres. Entre os direitos, o de “ter poucos (ou nenhum) amigos; direito de não ter de sair de casa; direito ao sobrepeso (ou subpeso)”. Há motivo de orgulho aí? Uma coisa é se sentir bem consigo mesmo, com a sua aparência e amizades. Isso é fundamental para a felicidade. Mas orgulho, de achar que isso é melhor? Isso é estranho para a sociedade e não sei se vai ajudar. Porque o termo nerd é carregado de conotações pejorativas, e repeti-lo não vai ajudar. Seria como pedir ao movimento LGBT instituir o “Dia do orgulho bichinha“.
Orgulhar-se de coisas indesejáveis é especialmente estranho porque quanto mais repetimos o termo nerd associado a esse tipo de orgulho, mais os “não-nerds” acham motivos para ridicularizar os nerds. Para nós, pessoas crescidas e razoavelmente equilibradas, isso faz pouca diferença. Os nerds que chegaram à fase adulta e brincam com a coisa, se orgulham e tal, provavelmente já superaram a fase do bullying escolar, nem se relacionam com esses chatos ou “dão um block” no Twitter. Mas nerd que é nerd, na acepção do termo, sofre. Ou sofreu (mais neste brilhante e desbocado texto). E a repetição do termo, o reforço do estereótipo, pode ser extremamente danosa para as crianças. É delas que temos de cuidar.


Nerds e crianças

A questão é muito bem explorada em Nerds: how dorks, dweebs, techies, and trekkies can save America. O livro foi escrito em 2007 por David Anderegg, PhD em psicologia infantil, e se aprofunda um bocado no tema importante, mas que tem quase zero citações acadêmicas (procurando no Google Academic, não achei um estudo relevante em PT-BR).
Anderegg explica que para crianças o mundo é preto ou branco. Quando você é moleque, existem dois tipos de animais, os com pelo (ursos, gatos e cachorros) e os sem pelo (peixe, barata, formiga). Depois de dividir o mundo, as crianças atribuem valores absolutos a cada grupo (com pelo=fofo, sem pelo=nojento), muitas vezes sem um motivo aparente. Crianças gostam de azul ou vermelho mas ODEIAM roxo ou preto. Crianças têm números preferidos. Anderegg elabora o conceito do maniqueísmo infantil e explica que, em momentos de histeria coletiva regredimos ao comportamento mais primário, de cérebro em formação: depois do trauma de 11 de setembro, por exemplo, os americanos passaram um tempo achando que toda pessoa do Oriente Médio era “do mal”.
E o conceito de nerd, onde entra nisso? Anderegg passou bastante tempo – mais de 20 anos – entrevistando crianças com problemas de relacionamento na escola. Nenhuma associava nerd a algo bom. Os que mostravam o comportamento estereotípico de nerd (bons em matemática mas não-sociáveis) se odiavam. Ninguém queria ser nerd, porque isso significa ser excluído e ridicularizado pelos “não-nerds”, ou populares. Crianças são cruéis, e para elas, chamar alguém de nerd é como chamar de “gay”. Os bullies não têm noção direito do que significa o termo (crianças não estão acostumadas a ver casais gays), mas atribuem um valor ruim a isso. Mil “dias do orgulho nerd” não vão mudar o conceito para a molecada, desculpe. E não há grandes causas para serem conquistadas pelo “movimento”, como existe por exemplo para a militância homossexual.

Fonte: Giz  Modo

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